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PT

A Maçã no Escuro

(1961) de Clarice Lispector

Encenação e adaptação: Maria Emília Correia

Dramaturgia: Luís Mourão

Cenografia: Rui Filipe Lopes

Figurinos: Mário Oliveira

Desenho de luz: João Paulo Xavier

Vídeo e fotografia: Hugo de Sousa

Elenco:

Catarina Furtado > Ermelinda

Paulo Pires > Martim

Maria Emília Correia > Vitória

Eurico Lopes > Francisco / Investigador

Rui Sérgio > Professor

Carlos Costa > >Alemão

Martinho Silva > Filho / Garimpeiro / Menino

Carla Galvão >Mulata

Hélder Gamboa > Polícia

José Manuel Fernandes >Polícia

Figurante > Criança

Assistente de encenação: José Pedro Manso

Assistente de produção: Cecília Mateus

Direção de cena: Pedro Guimarães, Cátia Esteves

Contrarregra: Hugo Paulito, António Palma

Edição de som: Hugo de Sousa

Edição de vídeo: Cristina Novo

Assessoria literária: Carlos Mendes de Sousa

Assessoria musical: Aníbal Cabrita

Assistência especial: Lúcia Maria

Operação de luz: Abílio Vinhas, José Miguel Lencastre

Operação de som: Miguel Ângelo Silva

Maquinistas: Adélio Pêra, António Quaresma, Nuno Ferreira

Auxiliar de camarim: Fátima Roriz

 

Coprodução: Vermelho e o Negro, Teatro da Trindade/lNATEL

A maçã no escuro

Sinopse

Clarice Lispector estava em Inglaterra, em 1951, quando começou a redigir as primeiras notas para o romance A Maçã no Escuro, que terminou em Washington, em 1956. Publicou-o, no entanto, apenas em 1961. A primeira versão tinha quinhentas páginas, o livro foi copiado onze vezes e teve oito versões. Procedimento incomum, porque Clarice não costumava reescrever os seus romances: «Não intrometo no que o texto me exige».

Escrito na terceira pessoa, A Maçã no Escuro retoma o tom dos dois primeiros romances — Perto do Coração Selvagem (1943) e O Lustre (1946).

Tudo principia «numa noite de Março», mas esse registo não tem a menor importância, porque o tempo é interior. O protagonista é um homem: Martim. Tendo cometido um Crime, ele foge da cidade e chega a uma fazenda cuja proprietária é Vitória, mulher solteira de meia idade.

Com ela mora uma prima, Ermelinda, moça e viúva, e uma cozinheira-mulata. A chegada de Martim perturba o ritmo de vida das mulheres, que passa de pacata a tensa, porque a sua presença põe em relevo os problemas pessoais de cada uma. Um dia, Martim possui a mulata e, depois, cedendo ao cerco de Ermelinda, torna-se seu amante. Vitória também se apaixona pelo estranho.

Mas a sua forma de amor revela-se através do suplício que lhe impõe destinando-lhe tarefas cada vez mais cansativas. E é ela quem, por orgulho por medo de si própria, acaba por denunciá-lo à polícia. Na fazenda, no meio dos trabalhos humildes, no        com a terra e com os animais, meditando sobre o crime e a própria vida, Martim refaz um aprendizado a que a prisão põe termo.

Damo-nos conta, aos poucos e de maneira confusa, de que Martim assassinou, ou tentou assassinar a mulher. Mas o crime não tem qualquer peso nem interesse porque nem sequer interessa saber se, de facto, houve ou não crime. Isto porque se trata de um assassinato simbolizado, como forma de abraçar a liberdade, e assim é conduzido, não como um obstáculo, uma derrota, um delito, mas como um gesto livre a partir do qual o protagonista poderá construir com as próprias mãos o seu destino. Cabe a Martim eleger uma ordem nova. Para isso abdicará da palavra e do pensamento, de modo a refazer, do ponto zero, a sua vida.

É a partir de um estado de carência, tanto material (o estado de pobreza voluntária em que passa a viver) quanto espiritual (a ausência de pensamento e de palavra) que o protagonista descortinará o mundo e a compreensão do que é o homem. Compreensão que não se fará a partir do funcionamento organizado, mas através de uma visão instantânea do núcleo da existência. São momentos que acontecem entre comboios que passam ou no ar que desperta o novo rosto e nos dá o nosso final tamanho e, então, por um instante, somos a quarta dimensão que existe. — diz Clarice.

O mundo da linguagem, contudo, não é fácil de recriar. Lentamente, Martim procura as primeiras e impronunciadas palavras. Mas falha sempre, e acaba, aliviado, por desistir de escrever. Diante das grades que vêm prendê-lo, o protagonista reconhece que tentou uma aventura impossível. Será reabsorvido socialmente, pelo seu acto comum e ao seu acto chamar-se-á crime.

Mas a sua aventura não foi inútil. Incapaz de recriar a linguagem e, através dela, o mundo, ele aprende a ver a realidade e os seus próprios limites. Trata-se de uma peregrinação em círculo, que retoma o ponto de partida.

Carlos Mendes de Sousa